Frei Carlos Raimundo Rockenbach – OFMCap
A Vida Religiosa Consagrada, profundamente arraigada nos exemplos e ensinamentos de Cristo Senhor, é um dom de Deus Pai à sua Igreja, por meio do Espírito. Através da profissão dos conselhos evangélicos, os traços característicos de Jesus – virgem, pobre e obediente – adquirem uma típica e permanente “visibilidade” no meio do mundo e o olhar dos fiéis é atraído para aquele mistério do Reino de Deus que já atua na história, mas aguarda a plena realização nos céus.
O Espírito tem suscitado na história uma abundância de carismas e formas de vida consagrada, que podem ser comparadas a uma planta com muitos ramos, que assenta suas raízes no Evangelho e produz uma riqueza extraordinária de frutos abundantes a cada estação da Igreja.
Configuração com Jesus Cristo e caráter Trinitário da Vida Religiosa
“A vida consagrada insere-se no próprio coração da Igreja como elemento decisivo para a sua missão”. Não consiste apenas em seguir Cristo de todo coração, mas trata-se de uma configuração e uma adesão plena a Ele, o que implica no abandono de tudo (cf. Mt 19,27). Seguir e estar com Cristo exige compartilhar com Ele a vida, as escolhas, a obediência de fé, a radicalidade do amor. É assumir, concretamente, o seu estilo de vida, adotar as suas atitudes interiores, deixar-se invadir pelo seu espírito, assimilar a sua lógica surpreendente e a sua escala de valores, compartilhar os seus riscos, as suas esperanças, sua forma de tratar os pobres, seus gestos, sua coerência, sua generosidade simples e cotidiana e, finalmente, sua doação total e incondicional à vontade do Pai e às necessidades da humanidade. É expressão da certeza humilde e feliz de que foi encontrado, alcançado e transformado pela Verdade que é o próprio Cristo, não podendo deixar de anunciá-la e testemunhá-la a todos.
O encontro com o Senhor nos coloca em movimento, nos impele a sair da autorreferencialidade: “quem coloca Cristo no centro da sua vida descentraliza-se! Quanto mais te unes a Jesus e ele se torna o centro da tua vida, tanto mais ele te faz sair de ti mesmo, te descentraliza e abre aos outros”.
Pela profissão dos conselhos, a pessoa consagrada não só faz de Cristo o sentido da própria vida, mas busca reproduzir em si mesma, na medida do possível, “aquela forma de vida que o Filho de Deus assumiu ao entrar no mundo”. Ao assumir a virgindade, assume o amor virginal de Cristo e confessa-o ao mundo como Filho unigênito, um só com o Pai (cf. Jo 10,30; 14,11); imitando sua pobreza, confessa-o como Filho que tudo recebe do Pai e no amor tudo lhe devolve (cf. Jo 17,7.10); aderindo, com o sacrifício da própria liberdade, ao mistério da sua obediência filial, confessa-o infinitamente amado e amante, como aquele que se compraz somente na vontade do Pai (cf. Jo 4,34), ao qual está perfeitamente unido e do qual depende em tudo.
Com tal identificação “conformativa” ao mistério de Cristo, a vida consagrada realiza a título especial aquela confessio Trinitatis, que caracteriza toda a vida cristã, reconhecendo extasiada a beleza sublime de Deus Pai, Filho e Espírito Santo, testemunhando com alegria a sua amorosa magnanimidade com todo ser humano. O sonho de Jesus, expresso de forma dramática na oração sacerdotal, “que todos sejam um” (Jo 17,21) e testemunhado pelas primeiras comunidades cristãs, que “eram um só coração e uma só alma” (At 4,32), indica a característica comum de todas as formas de consagração religiosa: a Fraternidade.
Vida consagrada, sinal e profecia
A vida religiosa, para não correr o risco de perder o sabor e, portanto, a sua razão de ser, deve ter a profecia como elemento imprescindível e essencial. A profecia é inerente à vida consagrada. Assim, como não pode renunciar à paixão por Cristo, o seu verdadeiro fundamento, tampouco pode renunciar à paixão pela humanidade, particularmente a humanidade vulnerável e ferida, menosprezada e excluída, que constitui a razão de sua missão. A vida consagrada é chamada a manter acesa a lâmpada do profetismo, tornando-se um farol para aqueles que estão desorientados em alto mar, uma tocha para aqueles que andam nas trevas, uma sentinela para aqueles que não veem uma saída na vida. Ao mesmo tempo, não pode renunciar em dar voz àqueles que não a têm, exigir justiça onde não existe e ser uma alternativa à cultura do descarte. No coração dos consagrados deve ecoar forte o convite do Papa Francisco: “despertem o mundo! Sejam testemunhas de um jeito diferente de fazer, agir e viver!”. Ou ainda: “na Igreja, os religiosos são chamados a ser profetas, a dar testemunho de como Jesus viveu nesta terra e a anunciar como o Reino de Deus será na sua perfeição”. Para fazer jus a essa bela vocação, é imprescindível buscar sempre e apaixonadamente a vontade do Senhor, proclamando a Boa Nova a todos, de preferência nas periferias existenciais; buscar novos caminhos para o anúncio do Evangelho, denunciando tudo o que é contrário à vontade de Deus. Os consagrados são chamados a ser verdadeiramente fiéis e criativos para não faltarem à profecia da vida comum, internamente, e da compaixão e solidariedade, externamente, sobretudo em relação aos mais pobres e mais frágeis que clamam aos céus por vida e dignidade.
O Papa Francisco insiste na oração e contemplação como fontes de fecundidade da missão: “cultivemos a dimensão contemplativa, mesmo no turbilhão dos compromissos mais urgentes e pesados. Quanto mais a missão vos chamar para ir para as periferias existenciais, tanto mais o vosso coração se mantenha unido ao de Cristo, cheio de misericórdia e amor”.
Alegria, distintivo da Vida Religiosa
A Alegria é o dom messiânico por excelência, como o próprio Jesus promete: “A minha alegria esteja convosco, e vossa alegria seja completa” (Jo 15,11). Ao chamar-nos, Deus diz: “Tu és importante para mim, eu amo-te, conto contigo”. Compreender isto, sentir-se amado por Deus, e que para Ele não somos números, mas pessoas às quais confia uma missão especial, é o segredo da verdadeira alegria. São Paulo afirma que a alegria é um fruto do Espírito (cf. Gl 5,22) e um sinal típico e estável do Reino (cf. Rm 14,17). É na oração, na caridade, no agradecimento incessante que se encontra a fonte da alegria (cf. 1Ts 5,16-17).
A alegria não é ornamento inútil, mas exigência e fundamento da vida humana. Esta verdade se torna mais pertinente num mundo onde se constata um grande déficit da verdadeira alegria. A alegria nasce da gratuidade de um encontro. E a alegria do encontro com Jesus Cristo e da sua chamada faz com que não nos fechemos, mas nos sintamos impulsionados a pôr-nos a serviço da Igreja e da humanidade. O Papa Francisco nos diz: “o bem se difunde. Também a alegria se difunde. Não tenhais medo de mostrar a alegria de ter respondido à chamada do Senhor, à escolha de amor e de testemunhar o seu Evangelho no serviço à Igreja. A Alegria, a verdadeira alegria, é contagiosa: contagia… faz ir em frente”.
Na finitude humana, no limite, no afã cotidiano, os consagrados e as consagradas, vivendo a fidelidade, dão a razão da alegria que habita neles, tornam-se assim testemunho esplêndido, anúncio eficaz, companhia e proximidade para mulheres e homens que juntos habitam a história e buscam a Igreja como casa paterna. Francisco de Assis, ao assumir o Evangelho como forma de vida, “fez crescer a fé, renovando a Igreja; e, ao mesmo tempo, renovou a sociedade, tornando-a mais fraterna, mas sempre com o Evangelho como testemunho. Ele recomenda a seus irmãos: ‘pregai o Evangelho e, se for necessário, também com palavras’”. A beleza da consagração consiste na alegria de levar a todos a consolação de Deus. Porém, só podemos ser seus portadores, se experimentarmos nós primeiro a alegria de ser consolados por Ele.
Vida Religiosa, dinamismo e renovação
No impulso da renovação conciliar, a Exortação pós-sinodal Vita Consecrata nos aponta como desafio três objetivos básicos: tornar a vida consagrada conhecida e apreciada em toda Igreja, não somente por aquilo que faz, por sua funcionalidade, mas acima de tudo pelo que é e significa, sinal e profecia de outras realidades bem mais profundas; encorajar os próprios consagrados a continuarem a reflexão e o discernimento sobre sua identidade e missão na Igreja e no mundo; e fazer com que a Igreja se una aos consagrados de todo mundo em louvor e oração pelo dom que Deus lhes deu com a vida consagrada.
A Exortação pós-sinodal apresenta como símbolo desta renovação a água que corre para não estagnar. Se não fluir, apodrecerá. A vida consagrada deverá perguntar-se constantemente o que Deus e o povo de Deus querem dela neste momento e nessas circunstâncias. O discernimento para responder a essa pergunta e colocar-se na direção indicada pelo Espírito é essencial. Por fim, os consagrados, que receberam o chamado de interceder pelo povo de Deus, também sentem a necessidade da oração da Igreja por eles: para que permaneçam sempre fiéis ao chamado do Senhor e à missão nas periferias existenciais e de pensamento, às quais o Espírito os impele neste momento por meio do rico magistério do Papa Francisco, que, por sua vez, nos apresenta como inspiração as palavras de Jesus: “vinhos novos em odres novos” (Mc 2,22). O vinho bom, o vinho novo não pode ser contido nos odres velhos de esquemas religiosos secularizados, obsoletos, fechados em suas próprias certezas ou contaminados pelo fermento de Herodes e dos fariseus (cf. Mc 8,15), incapazes de se abrir a novas promessas. A alegria e novidade do Evangelho requer corações novos, abertura mental para imaginar modalidades de seguimento, proféticas e carismáticas, vividas em esquemas adequados e talvez inéditos. Para isso, o Papa nos convida “a ser audazes e criativos, repensando os objetivos, as estruturas, o estilo e os métodos”, deixando-nos guiar sempre pela lógica das bem-aventuranças, sem esquecer de suplicar constantemente para que o Senhor continue a enriquecer os diversos carismas com numerosas vocações.
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Referências Bibliográficas
CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II. Constituição Dogmática Lumen Gentium: Sobre a Igreja.
CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II. Decreto Perfectae Caritatis: Sobre a conveniente renovação da vida religiosa.
JOÃO PAULO II. Exortação Apostólica Pós-Sinodal Vita Consecrata.
CONGREGAÇÃO PARA OS INSTITUTOS DE VIDA CONSAGRADA E AS SOCIEDADES DE VIDA APOSTÓLICA. Documentos 31 e 46.
Frei Carlos Raimundo Rockenbach – OFMCap.
Nascimento: 14/07/1958 em Alecrim – RS<br>Profissão religiosa: 30/01/1983<br>Ordenação presbiteral: 03/01/1988<br>Bacharel em Filosofia pela UPF: 1981<br>Licenciatura em Teologia pela PUCRS: 1987<br>Mestrado em Liturgia e Teologia dos Sacramentos pelo <em>Institut Catholique</em> de Paris: 2001<br>Atuou como missionário, pároco, formador e professor.<br>Secretário do Departamento de Missão e Espiritualidade do CELAM, 2007 a 2011.<br>Atualmente é pároco da paróquia Santo Antônio de Lagoa Vermelha. Faz parte da Coordenação<br>Diocesana de Pastoral e é coordenador do Conselho de Pastoral da Província dos Capuchinhos do RS.
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