Esse texto, solicitado pela Pastoral da Comunicação – Pascom da Diocese de Vacaria, foi elaborado para atender a este pedido e, ao mesmo tempo, pelo desejo de participar da missão evangelizadora dessa Diocese, que foi, pelo batismo, recebido na Comunidade São Paulo da Linha Mão Curta de Sananduva, o berço de minha vida cristã. O texto se desenvolve a partir de um breve percurso sobre o modo de inserção dos Leigos na Igreja e, a seguir, resgata a importância da missão da Igreja de evangelizar e a corresponsabilidade dos Leigos e das Leigas, “sal da terra e luz do mundo”, como protagonistas desta missão.
Leigos e Leigas na Igreja e na sociedade
O Dicionário Aurélio atribui o conceito de leigo a quem não tem conhecimentos em determinada área. Assim se assumem muitas pessoas ao se referirem a um assunto que não entendem. Por isso, o senso comum atribuiu ao leigo o caráter de “não instruído”. Essa maneira de conceituar determinadas pessoas perpassou também o mundo cristão, atribuindo aos que não recebiam as ordens sacras o caráter de leigo.
Ao longo do século XX, com marco implantado pelo Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965), desenvolveu-se, gradativamente, uma conceituação positiva de Leigo e Leiga, sendo-lhes atribuído o caráter de “sujeitos”. Desde então, assim passaram a ser considerados pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, no documento “Cristãos Leigos e Leigas na Igreja e na Sociedade – Sal da Terra e Luz do Mundo (Mt 5,13-14)”, de 2016.
O termo leigo deriva do grego “laos”, que significa “povo”. Isso significa que leigo é membro de um povo, que no contexto da Igreja, é entendido como Povo de Deus. Sua condição de sujeito passou a atribuir-lhe dignidade igual à de todos os demais sujeitos eclesiais.
Por séculos, a Igreja valorizou mais os clérigos, em detrimento dos cristãos Leigos e Leigas. Com o Concílio Vaticano II, estes recuperaram sua identidade e sua importância como membros de um mesmo corpo, que é a Igreja, constituída por batizados, como uma única categoria de cristãos e partícipes do sacerdócio comum dos fiéis, fundado no único sacerdócio de Cristo, conferido pelo batismo.
Essa concepção, sistematizada pelo Concílio Vaticano II, foi recordada pelo Papa Francisco por ocasião da Assembleia da Pontifícia Comissão para a América Latina, em 2016, dizendo que “a Igreja não é uma elite de sacerdotes, consagrados, bispos, mas que todos formamos o povo santo fiel de Deus”. Por isso, os cristãos Leigos e Leigas devem participar plenamente da vida da Igreja, priorizando sua missão nas realidades em que se fazem, quotidianamente, presentes.
Leigos e Leigas cristãos vivem no mundo na condição de trabalhadores nas diversas áreas de trabalho, de pais e mães de família e participantes da vida pública. A índole secular lhe é própria. Dirigindo-se às mulheres em sua segunda Audiência Geral, no dia 3 de abril de 2013, Francisco enfatizou o dom natural da fé, mais forte no coração das mulheres, um exemplo, segundo ele, que deve ser seguido por todos. “Esta é um pouco a missão das mulheres: mães e mulheres! Dar testemunho aos filhos e aos pequenos netos, de que Jesus está vivo, é o Vivente, ressuscitado. Mães e mulheres, ide em frente com este testemunho!”.
É na realidade presente que Leigos e Leigas são chamados a exercer a sua missão. O Concílio exorta os cristãos, cidadãos de ambas as cidades, a que procurem cumprir fielmente os seus deveres terrenos, guiados pelo espírito do Evangelho. “Afastam-se da verdade, disse Francisco, os que, sabendo que não temos aqui na terra uma cidade permanente, mas que vamos em demanda da futura, pensam que podem por isso descuidar os seus deveres terrenos, sem atenderem a que a própria fé ainda os obriga mais a cumpri-los, segundo a vocação própria de cada um” (EG 43). A índole secular dos cristãos Leigos e Leigas, além de ser importante, se mostra agora, urgente, devido sobretudo ao déficit de sua presença e atuação na vida pública. Necessitamos suas vozes no âmbito político, afirma o Papa Francisco.
No terceiro capítulo do Doc. 105 da CNBB, no item n. 6, se trata da missão dos Leigos e Leigas nos mais diversos areópagos modernos. É um apelo à missão de toda a Igreja. Ou seja, a Igreja, Povo de Deus, é chamada a ser missionária no complexo mundo contemporâneo. Ela não pode ficar alheia às grandes preocupações do seu tempo, aos gritos dos oprimidos, dos marginalizados, dos que estão jogados na invisibilidade pelos processos de globalização. Esta, em sua atuação, faz crescer a distância entre as pessoas e o Evangelho.
O Concílio tornou viva a consciência da responsabilidade de toda a Igreja em relação à evangelização. Ao mesmo tempo, despertou para o sentido do dever missionário local, tanto das Igrejas Diocesanas mais antigas, quanto das mais jovens. Quase todos os textos conciliares testemunham o cuidado de levar o Evangelho a todos os homens. A diocese e a paróquia não serão autenticamente missionárias se não se esforçarem por associar a Missão de Cristo à sua ação missionária local.
Disso se desdobra uma ideia que se tornou, atualmente, muito difundida: a evangelização, missão primeira na vida da Igreja, não é, como por muito tempo se pensou, dever exclusivo do clero. Os Leigos, hoje, são chamados a serem colaboradores com seu Bispo e Pároco na responsabilidade pastoral. Devem assumir seu papel no mundo: de serem testemunhas do Senhor e propagar sua mensagem salvífica por palavras e, sobretudo, por obras. São colaboradores indispensáveis para que a Palavra chegue aos lugares onde a voz do ministro ordenado não pode chegar.
Assim explicita o Doc. 105 da CNBB: “Existem muitos lugares do mundo moderno, nos quais os cristãos Leigos e Leigas agem, como sujeitos eclesiais, por força de sua própria cidadania batismal, identidade e dignidade” (2016, p. 138). Assim, a Igreja, consciente de sua responsabilidade, convoca todos os batizados a associarem-se em sua ação evangelizadora, tornando-se cada vez mais discípulos missionários do Ressuscitado. Todos são chamados a recomeçar a partir de Cristo, a reconhecer e seguir Sua presença com a mesma autenticidade que tiveram os primeiros discípulos na margem do rio Jordão.
Referências bibliográficas
CNBB. “Cristãos Leigos e Leigas na Igreja e na Sociedade” – Sal da Terra e Luz do Mundo (Mt 5,13-14)”, Doc 105, 2016.
CONCILIO ECUMENICO VATICANO II. Documentos. 2ª ed. São Paulo: Paulus, 2002.
DICIONÁRIO AURÉLIO DA LÍNGUA PORTUGUESA – Com Versão Eletrônica – 5ª Ed – Positivo – Dicionários
PAPA FRANCISCO, 2ª Audiência Geral, Vaticano, 3 de abril de 2013.
PAPA FRANCISCO. Mensagem para o “Dia Hispano-Americano nas dioceses da Espanha – 6 de março de 2016.
Selina Maria Dal Moro
Selina Maria Dal Moro é graduada em Filosofia pela Universidade de Passo Fundo (1972) e mestre em educação na área de Filosofia da Educação pela Fundação Getúlio Vargas (1985). Em 1985 ingressou como professora da Universidade de Passo Fundo, ocupando a direção da Faculdade de Educação de 1994 a 2001. De 2001 a 2002 foi secretária adjunta da educação da Secretaria do Estado da Educação/RS. Desde 1986 é professora na Itepa Faculdades, ocupando, também, a vice-direção da Faculdade de 2014 a 2019. Na Itepa Faculdades, esteve a frente do grupo de pesquisa “Leigos e Leigas cristãos/ãs: identidade, dignidade e missão na Igreja e na sociedade”
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