Nestes dias dos ritos de despedida do primeiro Papa nativo da América Latina, muito se diz, na intenção de se recuperar traços do perfil deste homem que liderou a Igreja Católica pelos últimos 12 anos. Seu jeito latino-americano, seu sorriso, sua misericórdia ancorada na verdade, sua transparência e sua linguagem clara e direta na comunicação, são marcas muito positivas deixadas pelo seu pontificado, entre outras. 

  Pessoalmente, ao me referir a pessoa de Francisco, ou sem identificá-lo, muitas vezes, assim como o faço aqui, como um Papa genuinamente conservador. Entendo como conservadora a atitude de quem mergulha no baú do tesouro de uma instituição para resgatar de lá o que ela tem de mais sólido e inegociável. Nesse caso, Francisco, decididamente, não aceitou parar sua busca antes de chagar às raízes mais originais e inspiradoras da vivência do legítimo cristianismo; ele chegou ao Evangelho, na sua força revolucionária e na sua forma mais cristalina, elementos presentes na experiência das primeiras comunidades cristãs.  

  Há, no entanto, quem se diga conservador, porém o que conserva é apenas um período idealizado da história, gerando o que costumamos chamar negativamente de conservadorismo. São os que buscam um período no qual as referências de então sugerem uma certa sensação de segurança e de proteção institucional. Francisco, por sua vez, menos apegado a ideia de preservação da instituição, foi ao encontro do espírito original que formatou o cristianismo como sinônimo de humanismo integral. Para Francisco, ser cristão é ser humano, assim como o foi, em plenitude, o próprio Mestre e Senhor Jesus. No modo conservador de ser de Francisco, importa mais as pessoas que as instituições, e estas, as instituições, devem estar a serviço das pessoas, não o contrário, isso é exatamente o que testemunha e ensina o Evangelho. 

 Eu tive o privilégio de estar algumas vezes com o Papa Francisco, além de ter sido nomeado por ele para ser Bispo da Diocese de Vacaria. Sou, portanto, muito grato a Deus por me dar esta graça especial de carregar para sempre comigo esse vínculo com seu pontificado. Suplico insistentemente a Deus que não me deixe levar por nenhuma sedução de época que venha a me afastar do desejo de seguir as inspirações que o testemunho do papa argentino deixou para todos, especialmente para nós bispos. 

 É dolorosa a despedida, mas é maior a gratidão pelo legado que Francisco deixou no seu pontificado relativamente curto, porem extremamente intenso. Deus seja louvado pelo dom extraordinário que foi o pastoreio do Papa Francisco! 

Dom Sílvio Guterres Dutra

Bispo de Vacaria

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