padre ouvindo

Pe. André Varisa

Erros que doem mais… evitemos! No ministério presbiteral muitos são os momentos jubilosos, sobremodo quando tratado da Eucaristia. Contudo, há momentos que somos chamados, como pais espirituais, a fomentar as razões de nossa fé para conseguir celebrar a dor, a tristeza e a angústia de famílias da comunidade.

Dentre alguns momentos difíceis a dor de quem perde bens materiais em tempestades, colheitas malsucedidas, perdas de negócios, relacionamentos frustrados… todavia, somos chamados à compaixão e ternura no momento da despedida de quem fez sua páscoa definitiva. Momentos que tocam o cerne humano, o ponto mais frágil e do mesmo modo o sagrado de cada sujeito! Entre estes momentos nos deparamos com a que é considerada a dor mais intensa de um ser humano: a morte, entrega e despedida de um filho, seja qual for a razão, porém torna-se mais dolorosa quando é fruto de um suicídio. 

Escrevo estas poucas linhas, pois já inúmeras vezes estive nestes momentos com famílias que buscam uma resposta, um sentido, um alento na fé diante da partida do filho. Sangra nos pais, dói nos familiares, amigos e na comunidade. Neste meio o padre é um misto de consolo e interrogação. Consolo pela presença, palavras, ritos, gestos, atenção… interrogação, SIM! Sendo sinal de Deus, todas as perguntas desta aparente perda, naturalmente recaem sobre o padre, o pai espiritual. 

O ministério da dor, do calvário como digo, é imprescindível a nós pais espirituais; porém, precisamos estar preparados, ou ao menos saber dirimir os erros e dúvidas que podem fazer doer ainda mais fortemente essa despedida. Cabe ao pai apontar caminhos luminosos e de esperança neste momento. O fazemos não reforçando ideais superficiais, nem justificativas infundadas como “chegou a hora”, “é falta de Deus ou de fé”… 

Iluminar exige disponibilidade, dedicação e conhecimento da parte do padre e contemplação, oração, sabedoria e discernimento vindo do Espírito Santo. Novamente me encontro assim hoje, pois amanhã terei essa missão que o “ministério da dor” interpela-me! Então resolvi escrever não para os outros, mas para todos aqueles aos quais possa fazer bem de alguma maneira. Rezar e pedir sabedoria para discernir três dimensões que envolvem o momento e se relacionam e intitula este texto: fé, suicídio e saúde mental… 

Frutos da cultura, muitos jogaram no suicídio inúmeras compreensões e noções errôneas. Ligaram pontos que são inimagináveis justificarem um ao outro e pior os multiplicaram de geração em geração. Quem nunca ouviu que os que “se matam” não se salvam, ou foi por serem fracos na fé, ou por que é falta de Deus? Absurdos que usamos para nos livrarmos dos reais motivos e da responsabilidade “comunitária/social” que cada ato destes respinga em nós. Costumo afirmar sem medo: o que o homem não quer se responsabilizar é fácil jogar para Deus a justificativa. Quantos pais e ou familiares a procurar-me atormentados pela falta de compaixão e misericórdia de Deus que a fala cultural afirmou a eles no suicídio de seus filhos e ou familiares. Por detrás, sem perceber acaba-se afirmando um Deus que “mata e não salva”. E se não buscamos aprofundar nosso saber, contemplado pela fé, até padres podem cair na “facilidade” de chavões culturais que matam a fé, a experiência e a verdadeira face de Deus e o sentido da existência dos familiares. 

Suicídio é o grito mais forte de SOCORRO que não se quis ouvir para não se comprometer! É o humano que sem forças próprias para vencer a temida e devastadora dor sem nome e sem lugar específico clama por atenuante. A dor muitas vezes inexplicável, traduzida por palavras e afirmações que imensuráveis pessoas atribuem como “falta do que fazer”, sem perceber que a verdade é por excesso de ser e fazer que não conseguem mais “sobre-viver”! 

Não é falta de fé, jamais foi falta de Deus! É sim falta de compreensão e zelo da comunidade. Dos que podiam ouvir, porém, não estava na sua lista de tarefas e ganhos de seu precioso tempo. Os familiares normalmente escutam, buscam ajudar, no entanto, por falta de instrução ou condições não podem fazer muito e ainda ficam acuados pelo nosso egocentrismo medíocre que frente a um enfermo ou familiar que nos solicita, afirmamos com a sabedoria popular, ou melhor a dura frieza popular “cão que late, não morde” ou “quem realmente pensa em se matar não fala”. E ao acontecer os mesmos ainda dizem impressionados: “mas não é que ele se matou!”. E atrás logo a enxurrada de possibilidades e devaneios… tinha tudo, ou tudo faltava. Não tinha fé ou, mas como se vivia rezando? Era falta de Deus ou por que Deus não o salvou?… tudo exatamente para nos tornarmos “irresponsáveis” pelos gritos que tapamos a nossos ouvidos. 

Irmãos, suicídio é fruto da falta de imunidade mental. Assim como todos os outros órgãos adoecem quando exigidos demasiadamente e ou são feridos, nosso cérebro, mente também sofre da exaustão. Porém seu reflexo se dará em palavras, ações e situações que precisamos estar atentos para saber identificar e encaminhar para um acompanhamento adequado que ajude em seu estado de completa recuperação. É mais fácil ser “Pilatos” e lavar as mãos, sobremodo a consciência nos deixará em paz? 

Ouvir, ouvir, ouvir, ouvir… sempre a mesma história de dores, insatisfações, frustrações e angústia é um alerta para que tomemos atitudes práticas e claras em vista de manter a vida de quem nos fala. Existem profissionais especialistas para isso, por quê? Porque há necessidade e não brincadeira. Levar a sério e não brincar com situações doloridas, pois a dor poderá se tornar insuportável e chegar ao ponto de entender que para saná-las o único remédio é morrer. 

Falo isso para mim! Contudo, como pai espiritual da comunidade, preciso alertar e ajudar a todos; apontando caminhos desde os frutos de minha oração, contemplação e paternidade. Ninguém merece nossa indiferença, especialmente estes que sofrem a dor inexplicável. Seja um ouvinte como Deus é de ti: atento, zeloso e cuidadoso. Deus te convoca a isso! Vencer a barreira da indiferença e dos erros culturais para fazer a vida prevalecer é imperativo de fé. 

Enfim, com esse escrito posso afirmar: todo suicídio é uma perda minha, sua e de cada um que não ouviu porque não quis se comprometer! É nossa indiferença que venceu nossa compaixão! Portanto, OUÇAMOS com AMOR, para sanar a DOR! 

Com carinho, prece e oração, Pe. André Varisa.

Pe. André Varisa

Presbítero da Diocese de Vacaria. Possui graduação em Filosofia pelo Ifibe, em Teologia pela Itepa Faculdades e em Psicopedagogia. É pároco da Paróquia São José, São José dos Ausentes, e referencial de Catequese e de Iniciação à Vida Cristã.

Imagem por Rita Laura, Disponível em cathopic.com.

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As opiniões expressas no presente artigo, são de total responsabilidade de seus signatários, não expressando a posição oficial da Igreja Particular de Vacaria.

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