Douglas dos Santos e Marlon de Aguiar
Uma das dimensões da Igreja é anunciar o Evangelho a todos os povos, raças, etnias e cores. Seu papel é integrar e não desunir, acolher para que todos tenham vida e a tenham em abundância como nos ensinou Jesus Cristo. Nessa perspectiva ela nos convida, a partir de seus Documentos, assumir o compromisso evangelizador com o povo negro. Também reconhece a dificuldade de no passado não ter se colocado ao lado deste povo diante do flagelo da escravidão e em alguns casos também utilizar mão de obra escrava. Mas, em sua caminhada, foi se dando conta dos equívocos. Alguns pronunciamentos de Papas revelam a mudança de posicionamento ao longo da História. Destacamos a condenação do tráfico e escravidão de negros pelos Papas Eugênio IV (1435), Pio II (1462), Leão X (1520), seguido por outros, com orientações explícitas aos bispos que se colocassem contra o tráfico e a escravidão. No caso do Brasil, já nos últimos anos do regime escravagista, o Papa Leão XIII se pronunciou através da Encíclica In Plurimis pedindo ao episcopado um posicionamento firme em vista da abolição da escravidão.
Mais recentemente, o Documento de Santo Domingo (1992) explicita o reconhecimento desse grande e lamentável erro no continente latino americano através das palavras do Papa São João Paulo II. Assim, encontramos um pedido de perdão do Papa a este povo que tanto sofreu e que hoje em meio a tantos desafios luta para reivindicar o seu espaço na sociedade e na Igreja. Este diz que “o desumano tráfico escravista, a falta de respeito à vida, à identidade pessoal e familiar e às etnias são uma ofensa escandalosa para a história da humanidade. Queremos, com João Paulo II, pedir perdão a Deus por este “holocausto desconhecido” do qual “participaram batizados que não viveram sua fé”.
Reconhecendo o erro da Igreja para com os negros o Papa se compromete enquanto Igreja a transformar aquela realidade e reconhecer a dignidade deste povo, pois compreende que “às populações afro-americanas, que representam uma parte relevante no conjunto do continente e que, com os seus valores humanos e cristãos, e também com a sua cultura, enriquecem a Igreja e a sociedade em tantos países”.
Para o Papa a escravidão, ou seja, o deslocamento e o abandono de suas terras de forma forçada são uma “gravíssima injustiça” cometida contra a população negra. Continua refletindo e nos questiona, ao se perguntar “como esquecer as vidas humanas destruídas pela escravidão?” Esta indagação é atual, pois são tantos os casos de racismo, onde vidas negras são ceifadas pelo preconceito. Ao pedir perdão o Papa nos alerta para dizer que “as vidas negras importam sim” e todo o tipo de ofensa ou atentado a essas vidas “deve ser confessado, com toda a verdade e humildade, este pecado do homem contra o homem”.
O episcopado latino-americano através das conferências deu um passo a mais na relação com a consciência de aprofundar o diálogo evangelizador com os afro-americanos. Esta opção evangelizadora está contida sobretudo nos documentos conclusivos das Conferências de Santo Domingo (1992) e Aparecida (2007).
O Documento de Santo Domingo, publicado ao final da Conferência realizada em 1992, busca apresentar uma leitura da realidade latino-americana tendo por base a promoção humana. Nessa promoção dá ênfase para as desumanidades causadas a indígenas e de modo especial com o povo negro, mestiço, escravizado, torturado, massacrado e até mesmo assassinado. Diante de tudo isso, qual o papel e opção da Igreja?
O Documento de imediato considera a unidade e a pluralidade das culturas indígenas, afro-ameríndias e mestiças. Com isso aponta os principais desafios e quais as linhas pastorais que a Igreja deve tomar para evangelizar essas culturas nas mais distintas realidades, apresentando assim a necessidade de avançar para uma evangelização inculturada, ou seja, que considere as culturas locais, seus traços, enfim aquilo que está na raiz de suas vidas.
A Conferência de Aparecida, realizada em 2007 reitera as decisões da Conferência de Santo Domingo. Acolhe a prerrogativa de que um dos papéis mais importantes da Igreja é ser presença junto a esses povos, em suas realidades e na luta pela defesa do que lhes concerne; é junto a esses povos, aprendendo e ensinando que a Igreja demonstra seu caráter missionário de discípulos e discípulas de Jesus Cristo. Além do mais, “ser discípulos missionários significa assumir a atitude de compaixão e cuidado do Pai, que se manifesta na ação libertadora de Jesus. […] Conhecer os valores culturais, a história e as tradições dos afro-americanos, entrar em diálogo fraterno e respeitoso com eles, é um passo importante na missão evangelizadora da Igreja” (n. 532)[1].
Por conseguinte, diante das condições desses povos na sociedade, a Igreja precisa ser porta-voz de seus ideais, reivindicações e necessidades. O nível de pessoas oriundas desses povos no campo acadêmico, campo político e até nos cargos de alto escalão das empresas é baixo. Como fazer para que essa realidade se transforme? Incentivando e apoiando a educação desde cedo para esses povos, apoiando suas causas e demonstrando o valor de sua gente para a sociedade. As políticas públicas são um dos meios prováveis para a Igreja conseguir fazer valer a voz do povo negro, além do que, dentro dessa própria instituição existem pastorais e movimentos voltados para o povo negro, como por exemplo, o CELAM. É nesses grupos e movimentos, que o povo negro encontrará uma base para alavancar seus ideias e projetos, através do diálogo para assim, criar uma sociedade justa e igualitária voltada aos ideais de Jesus Cristo, e dentro desta perspectiva aparece a catequese que precisa ser condizente com a cultura quilombola.
Assim, com o pensamento de São João Paulo II de que “o mundo precisa sempre do perdão e da reconciliação entre as pessoas e entre os povos. Uma sociedade mais justa e fraterna só poderá ser construída sobres estes fundamentos”[2] . Reconhecemos a face da Igreja santa e pecadora, também misericordiosa que reconheceu o seu erro para oferecer uma evangelização que busca reconhecer todas as culturas, tribos, raças, cores e línguas. Essa Igreja passou a assumir e oferecer ao povo negro a verdadeira obra pastoral evangelizadora enraizada no Evangelho. Esta “não destrói, mas encarna-se nos vossos valores, consolida-os e fortalece-os”. Pois, todo o ser humano possui dignidade e precisa ser respeitado, tratado com carinho e amor, assim como nos ensinou Jesus Cristo. É preciso ver no irmão o rosto de Deus, somos a sua imagem e semelhança.
Referências Bibliográficas
CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Santo Domingo – conclusões . IV Conferência do Episcopado Latino Americano: Nova Evangelização , promoção humana e cultura cristã. Brasília. 7.ed. Trad. CNBB. Disponível em: http://portal.pucminas.br/imagedb/documento/DOC_DSC_NOME_ARQUI20130906182510.pdf>. Acesso em: 18 de nov. 2020.
DOCUMENTO DE APARECIDA. Texto conclusivo da V Conferência Geral do
Episcopado Latino-Americano e do Caribe. São Paulo: Paulus, 2007.
Imagem: Por Eugenio Hansen, OFS – Obra do próprio, CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=31297314
Notas
[1] DOCUMENTO DE APARECIDA. Texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe. São Paulo: Paulus, 2007.
[2] CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Santo Domingo – conclusões . IV Conferência do Episcopado Latino Americano: Nova Evangelização , promoção humana e cultura cristã. Brasília. 7.ed. Trad. CNBB. Disponível em: http://portal.pucminas.br/imagedb/documento/DOC_DSC_NOME_ARQUI20130906182510.pdf>. Acesso em: 18 de nov. 2020.
Douglas Francisco Almeida dos Santos
Seminarista da Diocese de Vacaria, etapa do Discipulado/Filosofia, bacharelando em Filosofia pela Universidade de Passo Fundo (UPF).
Marlon de Aguiar
Seminarista da Diocese de Vacaria, etapa da Configuração/Teologia, bacharel em Filosofia pelo Instituto de Filosofia Berthier (IFIBE), bacharelando em Teologia pelo Instituto de Teologia e Ciências Humanas (Itepa Faculdades).
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