Maurício Zanotto
Seminarista da Diocese de Vacaria/RS – Bacharel em Biomedicina pelo
Centro Universitário da Serra Gaúcha (FSG) e bacharelando em Filosofia pela
Universidade de Passo Fundo (UPF)
Neste ano de 2020, a Campanha da Fraternidade (CF 2020) nos provoca para a reflexão acerca da justiça com novos olhos: a justiça misericordiosa, a justiça que serve à caridade, o amor. Porém o amor deve sempre ser maior do que a justiça, pois o amor é fundamental e precede a justiça. Conforme o Catecismo da Igreja Católica, “a justiça é a virtude moral que consiste na vontade constante e firme de dar a Deus e ao próximo o que lhes é devido. […] A justiça em relação aos homens nos dispõe a respeitar os direitos de cada um e a estabelecer, nas relações humanas, a harmonia que promove a equidade em prol das pessoas e do bem comum” (nº 1807).
Como o Texto-Base da CF 2020 afirma, se constitui de grande desafio precisar o que se entende por justiça. Porém, existe um ponto de convergência das diversas definições: que deve-se dar a alguém aquilo que ele merece. Quanto à questão do merecimento, podemos entender como algo que pode ser retribuído. “Este não é um conceito errado de justiça, mas ele é incompleto, porque deixa de fora os seres humanos que, de algum modo, não podem retribuir: os pobres, os pecadores e os inimigos” (Texto-Base, nº 103).
Para nos iluminar, o texto toma por base a parábola dos trabalhadores da vinha (Mt 20,1-16). Os que trabalharam menos receberam a mesma quantia dos que trabalharam mais. Os empregados que trabalharam o dia todo reclamam do patrão por começar a pagar pelos que foram contratados por último. A moeda de prata representa a vida eterna, o patrão, ao dar esta moeda para cada trabalhador, mostra que a recompensa eterna é igual para todos. Em Jesus, podemos perceber que justiça e misericórdia não se contrapõem. A justiça misericordiosa nos aproxima da eternidade. “O Dono da vinha paga por igual, não porque os trabalhadores renderam por igual, mas porque todos são humanos e, por isso, são iguais” (Texto-Base, nº 104). Deus através de sua “justa misericórdia”, enxerga a pessoa, cuidando-a e amando-a, sem julgamento. “A justiça é samaritana, sempre capaz de cuidar independente das condições em que se encontra aquele que está à beira do caminho” (Texto-Base, nº 118). O perdão “é sempre a mais ampla manifestação da amorosa graça de Deus” (Texto-Base, nº 108).
“O autêntico justo é misericordioso, solidário e capaz de cuidar. O justo é misericordioso e solidário. Ele exerce sua justiça mediante o cuidado, o zelo, pelos outros e pela Casa Comum!” (Texto-Base, nº 116). Ao recebermos a misericórdia Divina somos impelidos não só a perdoar, mas também a praticar a justiça e a caridade. Podemos tomar como exemplo de justiça, através do cuidado e do amor, Santa Dulce dos Pobres, que esteve perto dos que sofriam, indo ao encontro dos necessitados e restaurando a dignidade da pessoa humana, por meio da recuperação das saúdes física e espiritual. “[…] O amor e a misericórdia fazem com que as pessoas se encontrem umas com as outras” (Texto-Base, nº 105).
“A missão do discípulo missionário de Jesus Cristo é revelar ao mundo o rosto da misericórdia. É edificar a justiça e viver a compaixão. É acreditar na justiça expressa na palavra de Deus e colaborar para promovê-la e garanti-la. Valorizar a vida e promover a justiça misericordiosa é um ato de fé” (Texto-Base, nº 114). Será que estamos dispostos a difundir essa justiça que cuida e que ama, que implica comprometimento pessoal e compaixão para com nossos irmãos?
Muitos podem se questionar se essa justiça misericordiosa faz parte apenas de uma fantasia, do mundo irreal, ou se de fato é possível também para nós. A Quaresma é tempo favorável para que possamos discernir se, de fato, estamos diante de uma fantasia ou cara a cara com o sentido mais profundo do nosso existir. “Assim como o senhor da vinha equiparou os operários com idêntico salário, o Deus de misericórdia a todos equipara com a mesma graça para contribuírem, a partir das suas aptidões, em vista do bem comum” (Texto-Base, nº 129).
Referências
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. Documentos da Igreja. São Paulo: Edições Loyola, 2000.
CNBB – CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Campanha da Fraternidade 2020: Texto-Base. Brasília, Edições CNBB, 2019.
Imagem por Andrey Mironov 777 – Obra do próprio, CC BY-SA 4.0, Hiperligação
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